(...)
Todos ficaram surpresos, mas se
apressaram a cumprir a ordem. Nunca fora uma boa idéia questionar Ramsus e,
recentemente, se tornara ainda mais perigoso. Desde que ele se encontrara com o
demônio do deserto, para ser mais preciso. Apenas Miang ousou contestar.
_ Não podemos, comandante! Não
temos ordens da capital ainda. Se nos movermos daqui...
_ Pouco me importa! – retrucou
Ramsus – Eu não vou permitir que eles escapem!
A decisão já fora tomada e Miang
sabia que não podia fazer coisa alguma, preferindo retirar-se da ponte de
comando. Não o fizera sem propósito, no entanto. Sabia quem iria encontrar no
corredor contíguo, e não ficou surpresa quando as luzes tornaram a se
obscurecer para revelar o vulto encapuzado.
_ Acredito que já tenha dito que
seus truques não vão adiantar de nada.
_ Eu estou tentando apenas ajudar
– ela disse com a voz amigável e distante de sempre – Não ajudei a se livrar
daquelas ‘pestes’? E, depois, você sabe que o ‘veículo’ só vai responder ao
escolhido. Eles não sabem disso. Mas... Ele é necessário para Kahr. É o próprio
significado da existência dele.
As luzes obscuras e cintilando
foram a única resposta, enquanto Grahf fitou Miang em silêncio. E ela tornou a
sorrir.
_ Sim, eu preciso te agradecer.
Afinal, você me ajudou, não foi?
Grahf continuou em silêncio, e
Miang indagou:
_ Foi por mim? Ou por ele? Ou...
por você mesmo?
A questão ficou suspensa no ar
entre eles enquanto a nau capitânia de Ramsus deixou o hangar em Aveh e ficou
suspensa no ar, alterando seu curso sobre a capital Bledavik.
_ Vamos tomar o curso secundário
entre os portões Um e Dois – indicou o navegador – É o caminho mais curto para
Aquvy.
_ Ótimo – respondeu o comandante.
_ Mensagem de Kelvena – avisou o
oficial de comunicações – Dominia está de partida com o Haishao. Ela vai
perseguir a belonave aérea.
Em outro lugar, um monitor enorme
mostrava um horizonte marítimo, enquanto os rostos mostrados no globo maior
debatiam.
_ Desobediência... As ordens de
Ramsus são de escavar em busca das ‘Relíquias Anima’ em Ignas... e vigiar os
Cordeiros. O que ele está...
_ Podemos recuperar as ‘Relíquias
Anima’ a qualquer momento – ponderou outro ministro, numa tela azul – Mais
importante, descobrimos que ‘ele’ estava na nave transferida. Ramsus
provavelmente foi atrás ‘dele’.
_ Então... foi o trauma – comentou
outro ministro numa tela de azul esverdeado, mas outro numa tela vermelha
retrucou:
_ Nah, neste caso, Knigret...
Foram as várias feridas externas.
_ De acordo com o Cubo de Memória
– o ministro que falara em primeiro tornou a se pronunciar – descobrimos vários
indivíduos em torno ‘dele’ que possuem o fator ‘animus’.
_ Isso é ‘Sufradi’ – perguntou
outro, um ministro sem o olho direito – o objetivo do Projeto M?
_ Sim.
_ Coincidência?
_ Nah, muito além disso – tornou o
ministro da tela azul esverdeada – Ou eles foram atraídos para ‘ele’ ou...
_ Inesperadamente, está se desenvolvendo
na mesma condição que há quinhentos anos – comentou um ministro sem o olho
esquerdo, ao que outro ponderou:
_ O que não exclui a possibilidade
de que ele tenha planejado desta forma intencionalmente.
_ O ponto de transferência é Aquvy
– comentou outro ministro numa tela azul – É próximo da Thames.
_ Se for Aquvy – o ministro da
tela azul comentou – Krelian foi naquela direção.
_ Krelian? Em pessoa? – admirou-se
um ministro em azul sem o olho direito – Para quê?
_ Parece que descobriram. Por mais
de quatro mil anos ele procurou pelo legado de Zeboim.
_ Legado... – ponderou outro
ministro – É aquela tecnologia de que ele estava falando?
_ Sim.
O monitor principal mudou seu
foco, e todos silenciaram diante do rosto ancestral e cadavérico do Imperador
Cain.
_ Engenharia molecular...
Nanotecnologia. A terra de todas as criações, a capital da Cultura Zeboim...
Descansando sob o Oceano de Aquvy. Por dezenove anos, o ‘Ethos’ manteve isso em
segredo.
_ Isso é aceitável, Cain? –
perguntou o ministro sem o olho esquerdo.
_ Sim, servirá por enquanto.
_ Dezenove anos... – ponderou
outro ministro em vermelho – Isso coincide com a época em que a terra
moveu-se...
_ Obviamente.
_ Mas não entendo. Essa tecnologia
não parece tão crucial para nós...
_ Ele ainda é um Cordeiro – outro
ministro comentou – Dar a ele a habilidade de fazer como deseja é questionável.
_ Há ocasiões em que mesmo nós não
sabemos o que ele está pensando – concordou outro.
_ Que seja assim – interrompeu
Cain – Eu assumirei a responsabilidade por isso. Sobre outra questão... Vocês
todos não pretendiam... ‘eliminá-lo’?
_ Apenas por acaso.
_ É provável que a localização
seja Ignas.
_ Seja como for, eu nunca
acreditei que seria eliminado tão facilmente.
_ A purga foi um fracasso – o
ministro sem o olho esquerdo declarou – Isso nunca tornará a ocorrer.
_ Se os ‘animus’ estão juntos, é
ainda mais uma razão.
_ Sim.
_ Cain – o segundo ministro a
falar indagou, curioso – por que ‘você’ está tão preocupado quanto a
isso? Para nós, ‘ele’ é insignificante...
_ Poderia ser apenas um veneno
para nós – confirmou outro – Nunca poderia ser um remédio.
Como o próprio Imperador Cain
dissera uma vez, ele e o Ministério estavam como que conectados, e por vezes
sentiam os pensamentos uns dos outros. E um deles comentou:
_ ‘Anonelbe’... Você não continua
acreditando naquilo, continua?
_ É meramente uma ilusão –
comentou outro ministro – Nem sequer é um ideal.
_ O resultado... É o que eu sou
agora. É como você o vê.
_ Ou ainda – o ministro sem o olho
esquerdo indagou – é a ‘emoção’ que você há tanto tempo esqueceu?
O Imperador não respondeu, seu
silêncio tanto físico quanto mental, e o segundo ministro ainda disse:
_ Cain, nós somos ‘deuses’.
Sobre uma plataforma metálica
sobre o mar, enquanto isso, Elly Van Houten despertou e descobriu-se sozinha.
_ Onde estou...?
Ela levantou-se, atordoada,
olhando ao redor. Não havia nada além de mar por toda a sua volta, até onde a
vista podia alcançar. Nada. Nem mesmo qualquer um de seus companheiros.
_ Eu estava com Fei, indo para o
bloco da retaguarda... Fei! Onde está você, Fei?
Ela não teve que procurar muito.
Estava num espaço metálico limitado sobre o mar, e não havia nada à vista...
mas um som de batidas vinha de um alçapão próximo. E, assim que ela se
aproximou, a tampa se abriu e um rapaz de cabelo preso saiu de lá, com um
sorriso ao vê-la.
_ Elly, você já acordou.
_ Acordei...? O que você estava
fazendo?
_Estava dando uma olhada ali
dentro – mostrou o alçapão – Tem o suficiente só pra menos de dois dias...
_ Do quê?
_ Comida. Temos sorte até de ter
achado alguma.
_ Mas, onde está todo mundo? Somos
os únicos sobreviventes?
_ Temos que fazer alguma coisa –
Fei voltou-se, indo na direção do mar – Acho que vou pegar alguns peixes.
_ Fei!
E ele parou. Tinha agido como se
não a ouvisse, mas antes de mergulhar no espaço vago entre as duas placas da
plataforma, ele se deteve por um instante e disse, sem se voltar:
_ ... Eles estão bem.
_ O quê?
_ Estão bem... Doc, Rico, Hammer, todos... Vão todos
estar bem.
Ao menos, ele queria muito
acreditar nisso. Parecia que havia algo contra ele, sempre que reunia os
amigos, algum evento além de seu controle vinha para separa-los. Ao menos, os
destinos estavam ficando menos caprichosos, pensou. Desta vez, ao menos
continuara com Elly.
Voltou-se para olhar a moça por um
momento. E sorriu. Sim, podia acreditar que os amigos estavam bem. Elly e ele
tinham conseguido, por pior que tivesse sido. Tinha que dar crédito a Rico,
Citan e Hammer, também. E mergulhou no mar, tentando pegar algum peixe.
_ Hammer, Rico... Acordem!
Tanto o Campeão dos Lutadores de
Kislev quanto o mecânico Hammer despertaram aos poucos, chamados pela voz
familiar de Citan, e para se descobrirem num aposento metálico amplo e sem
janelas, embora houvesse uma escotilha redonda em uma das paredes. De pé diante
deles, o Doutor esperava.
_ Onde estamos? – perguntou
Hammer.
_ Que lugar é esse? – Rico olhou
desconfiado ao redor – Tem alguma coisa cheirando mal nessa história.
_ Estamos dentro da nave de Bart e
sua tripulação – respondeu Citan – Eles nos resgataram depois de termos sido
derrubados no Golias.
_ Quem diabos são ‘Bart e sua
tripulação’? – perguntou Rico, ainda sem entender.
_ Vamos dizer... – Citan contornou
a pergunta cautelosamente, imaginando que a reação de Rico poderia ser igual à
sua própria impaciência anterior, mas incomensuravelmente mais explosiva – que
eles são bandidos... roubando Aveh. Bart é o líder deles, embora ainda seja um
jovem.
_ Um ladrão nos dias de hoje,
nesses tempos difíceis? – Rico ponderou – Um homem de atitude. Eu gosto disso!
_ Quer começar indo encontrar-se
com Bart?
_ Hmm... Leu a minha mente!
_ Nah, eu vou ficar por aqui.
Deixando Hammer para trás, Citan
guiou Rico até a ponte de comando, seguindo pelo elevador até onde estavam o
jovem mestre dos piratas e seu imediato, e o rapaz se voltou com um sorriso.
_ Bem, se não é o Doutor Citan
Uzuki e... – e então viu pela primeira vez o gigante verde que acompanhava
Citan – er... Esse seu amigo bem grande! Vejo que finalmente despertaram. Eu
lamento muito mesmo pelo que aconteceu... Por favor, me perdoem.
_ Eu tenho um nome, sabe –
comentou Rico – É Ricardo Banderas... Mas todos me chamam de Rico. E então,
pelo quê está se desculpando conosco?
Na verdade, as palavras de Citan
sobre Bart e a visão que tivera da Yggdrasil e seu maquinário fantástico tinham
impressionado Rico de forma muito favorável, o que era raro, e ele também
tivera uma ótima impressão de Bart, que era o líder ali. E o rapaz ficou ainda
mais acanhado ao perceber isso.
_ ... Acho que eu devia parar de
ficar rodeando... Geralmente eu não sou tão franco ou cerimonioso, mas...
Bom...
_ O que ele está tentando dizer é
o seguinte – Citan disse de forma direta – as pessoas que nos derrubaram e as
pessoas que nos salvaram, são uma coisa só... A tripulação desta nave!
Rico olhou para Bart, para Citan,
novamente para Bart e então para Citan outra vez. Aquilo parecia...
_ ...? Você não está querendo
dizer... que o Golias em que nós estávamos foi derrubado por...?
_ Ei, você é meio lento aí,
hein... – e Bart subitamente lembrou-se da estatura do seu interlocutor – errh,
amigão! Mas, na verdade, a nossa Yggdrasil II fez um belo trabalho em derrubar
aquele monstro de aeronave! Foi demais!
Levado pelo entusiasmo anterior do
desempenho dos ‘Mísseis Bart’, o rapaz começou a falar mais para si mesmo
novamente e sem perceber as expressões preocupadas de Citan, Sigurd e dos
demais, ou o inconformismo crescendo no rosto de Rico.
_ Você devia ter visto! – e não
viu que Rico estava com a mão sobre os olhos – Uau! Meus ‘Mísseis Bart’ com
certeza foram demais...!!
Foi a vez de Citan cobrir os olhos
e voltar-se para o outro lado, enquanto Rico saltou sobre Bart gritando que
aquilo não ficaria assim, e metade da tripulação veio tentar tirá-lo de cima do
seu jovem mestre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário