domingo, agosto 30

Capítulo Vinte e Três Ponto Um

(...)

Ainda não houve descanso para Elly. Embora tivesse sido inesperadamente liberada de prestar contas à violenta Dominia, Miang queria algumas explicações das atividades mais recentes dela, e custou-lhe uma habilidade considerável lidar com a imediato de Ramsus sem deixar evidente com quem ela estivera.
_ Entendo – Miang replicou ao fim do relato, a voz inexpressiva de sempre tornando impossível para Elly saber se tinha conseguido convence-la ou não – Então, era isso o que estava havendo...
Elly nada disse, mantendo seus olhos baixos. Havia algo que a tranqüilizava em Miang, mas ela sabia que precisava manter-se alerta. A moça de cabelos azul índigo não tinha chegado ao seu atual posto por nada, e à sua maneira, ela poderia ser pior do que Dominia. E ela surpreendeu-se quando Miang retomou, num tom de voz quase despreocupado:
_ Já que tenho outras questões a resolver, se importaria de permanecer aqui por mais algum tempo?
_ Nem um pouco – não havia motivo para querer se encontrar com Dominia, Ramsus ou quem quer que fosse tão depressa, afinal. Miang parecia ter lido seus pensamentos, porque lhe deu um sorriso reconfortante.
_ Não tem que se preocupar com coisa alguma. Deixe o resto comigo. O que você precisa agora é se recuperar de seu cansaço.
Ela se inclinara gentilmente na direção de Elly enquanto dizia isso, e Elly olhou para seus olhos. Eram azuis como os dela própria, mas muito mais profundos. Na verdade... Eles até pareciam... luminosos, naquela sala...!
_ Cristalinos, azuis... – a  voz de Miang pareceu despertar Elly de repente – Como a superfície de um lago...
_ Ah... Perdão? – Elly sentia que havia perdido alguma coisa, mas não lembrava o quê. Parecia ter acabado de despertar de repente, como se tivesse cochilado.
_ Seus olhos – Miang comentou, voltando-se para ela com um sorriso – Eles são bonitos.
_ O quê?
Miang nada disse, retirando-se da sala e indo reportar-se diretamente a Ramsus, na ponte de comando.
_ Aqui está o relatório de contato entre Haishao e o Gear inimigo.
Ramsus não precisou ler muito adiante para o Gear negro relatado dos bancos de dados do Haishao.
_ Este é o...
_ Estou certa de que sim – confirmou Miang – Está atualmente na Thames. Se não, em algum ponto próximo do oceano.
_ Alterar curso! – bradou Ramsus – Coordenadas da Thames...
_ Espere – interrompeu Miang – A nave mãe deles, Yggdrasil, parece ser capaz de submergir. Se o fizerem, eles terão a vantagem sobre Haishao. Qualquer ataque que pudéssemos lançar seria desperdiçado, já que eles poderiam simplesmente mergulhar. Mas se eliminarmos essa função primeiro, não será tarde demais. Já fiz os devidos ‘preparativos’.
_ Preparativos?
_ Sim, senhor.
Ramsus ponderou do que ela poderia estar falando. Miang podia ser muito misteriosa às vezes quanto às medidas que tomava. Mas, enfim, ela era extremamente eficiente. Merecia um voto de confiança.
_ Muito bem. Tentaremos da sua maneira.
_ Obrigada, Comandante.
_ A propósito – ele voltou-se, com ar curioso – o que aconteceu entre você e Dominia? Ela estava pálida.
_ Sinto muito – ela deu de ombros, com um sorriso conformado – Tinha a ver com o incidente anterior da Yggdrasil. Aquelas garotas dão duro, especialmente por você... É meu trabalho ser odiada.
Ramsus olhou com curiosidade para Miang. Claro que ele sabia da dedicação das membros dos Elementos, e sem dúvida devia haver nelas algo de inveja da imediato por passar mais tempo com ele e mostrar melhor sua capacidade, e normalmente, esse tipo de tolice feminina não atrairia sua atenção por mais tempo. Mas algo na mente aguçada de Kahran Ramsus parecia alertar de que havia mais envolvido do que sua imediato revelava. E, durante a noite, um Gear branco e rosado partiu da nau capitânia, aparentemente sem ser notado.
Na Yggdrasil, enquanto isso, os reparos tinham lugar. E Sigurd perguntou:
_ Fei, o jovem mestre ainda não retornou. O que ele está aprontando? Seria pedir demais a você que, por favor, fosse chamá-lo por mim?
_ Sem problemas. Ele provavelmente ainda está bebendo e comendo com o Capitão da Thames.
Fei partiu da cabine de comando da Yggdrasil e partiu diretamente para a Cervejaria da Thames, e lá estava, conforme ele previra. Bart, contando alguma história ao Capitão.
_ Eles vieram, um após o outro... Pau, Tum, Crash...! E foi assim que aconteceu.
_ Ei Bart, Sigurd estava perguntando de você...
_ Gahahahahahahahaha – nem o Capitão nem Bart pareciam ter ouvido a interrupção de Fei, tão distraídos estavam com a história – É claro, se você não for forte, não pode ser um homem do mar!
 _ É! – Bart ergueu o braço direito, exibindo os músculos – Dá uma olhada nesse braço...
O Capitão e Bart se voltaram ao mesmo tempo, ele com a bengala apontando para adiante e Bart com o braço erguido e os músculos à mostra, dizendo ao mesmo tempo:
_ Prova!
Voltaram-se para a esquerda.
_ Dos homens!
Voltaram-se novamente para a esquerda.
_ Do mar!!
Não havia coisa alguma que Fei pudesse dizer ou pensar quanto àquilo enquanto os dois homens do mar caíram na gargalhada.
_ Gahahahahahahahahahaha!
_ Wahahahahahahahahahaha!
Ambos ainda riam quando outro marujo se aproximou, dirigindo-se ao Capitão.
_ Capitão, seu primeiro imediato o está chamando.
_ Oi – fez o Capitão, aborrecido – Ele está interrompendo a nossa história de homens do mar! Esse Hans, que camarada sem graça! O que ele quer agora?
_ Nossa Dama parece ter retornado – respondeu o marujo.
_ Nossa Dama – ponderou Fei –Ah, você está falando da Elly!
_ Idiota! E por que não me disse antes?
_ Bem... – o marujo ficou sem saber se adiantaria alguma coisa argumentar, e todos voltaram para a ponte de comando, e Fei procurou por ela assim que chegaram lá.
_ E então, onde está Elly?
_ Está cuidando do Gear – respondeu Hans – Ela deve chegar a qualquer momento.
_ Tá querendo dizer – perguntou Bart lentamente – que ela conseguiu escapar?
_ Bem, isso é bom para vocês – o Capitão deu de ombros – Não, Fei?
_ Ah, claro.
Mal dissera isso e Elly entrou pelo Elevador Espiral. Parecia estar ilesa, até onde era possível ver.
_ Elly, você está bem?
_ ... Sim – Bart nada dizia, embora estivesse olhando atentamente para o rosto da moça. Não parecendo se dar conta, ela perguntou apenas – O que houve com aquele submarino?
_ Ah, está falando da Yggdrasil? – Fei perguntou – Levou uma surra meio pesada, então agora está aqui, na Thames, pra reparos.
_ Sei... – a expressão dela não se alterou – Posso ir descansar um pouco? ... Estou exausta.
_ Boa idéia.
_ Fei, é o meu navio – Bart pareceu incomodado pela solicitude do outro, mas o Capitão interveio.
_ Oeoe, ela disse que está cansada. Deixe-a descansar.
_ Bem, eu já vou.
Sem mais, Elly saiu novamente pelo Elevador Espiral, e Bart cruzou os braços com ar preocupado.
_ ... Eu não gosto disso.
_ Bart – Fei olhou incomodado para o pirata – você ainda está...
_ Não é isso não. Ela não vai nos apunhalar pelas costas – Bart negou com ar solene – Fui criado entre canalhas e charlatões. Posso dizer isso só de olhar nos olhos dela.
_ Então, você aceita a Elly...
_ É exatamente por isso que eu não posso aceitar – retrucou Bart – Pra ela, isso pode estar bem, mas e a família que ela tem em seu lar? Você acha que ela pode viver com isso? Será que ela pode fazer isso, simplesmente se livrar da própria família? Ela tem que decidir. Ela... Elly provavelmente tá preocupada com isso. Não podemos envolver gente que tenha ligações.
_ Bart... – Fei ficou muito admirado. Já sabia que o amigo tinha mais consideração do que transparecia à primeira vista, mas dada a primeira impressão dele quanto a Elly, aquilo era uma surpresa agradável. E Bart deu-lhe as costas, cruzando os braços e emburrando.
_ Hmph, bem, faça o que quiser.
Lá embaixo, os motores da Yggdrasil finalmente tinham sido postos em ordem pelo competente mestre engenheiro de bordo, sempre trabalhando em sua especialidade e auxiliado em sua vigilância pela fiel cadela Martle. Ele estava um pouco saudoso, ainda, da antiga Yggdrasil, mas não podia deixar de gostar do seu trabalho na nova versão da nave de guerra do jovem mestre Bart. Apesar de longo, o trabalho para colocar os motores em condições para o modo submarino havia sido gratificante, e com os recursos da Thames...
Martle latiu então, sobressaltando o dono, que procurou pela fonte da perturbação.
_ O que é que háááá? Martle, hein?
Havia uma garota ali embaixo. Uma visão estranha no local, mas não desconhecida. Era a amiga do amigo do jovem mestre, a ex-oficial de Solaris.
_ Ei moça, ouvi dizer que você tinha sido capturada. Você está bem?
Martle tornou a latir, agitada, e o velho engenheiro admirou-se. A cadela geralmente não reagia daquela forma nem mesmo com os seus auxiliares trapalhões! Martle sempre gostava de todo mundo.
_ Calma, Martle! É só a garota solariana. Não precisa latir!
_ É um animal – Elly disse simplesmente, a voz soando estranhamente inexpressiva – Então, não há como evitar. A propósito, o primeiro imediato quer ver você.
_ Hã...? Ah, entendo. Desculpe.
Martle tornou a latir com urgência, e o velho engenheiro resolveu leva-la consigo, enquanto subia até a ponte de comando. E Elly aguardou até que ele não estivesse mais à vista. Não havia mais ninguém ali naquele momento; o mestre engenheiro era competente, mas um pouco zeloso demais com suas máquinas, e quando a nave não estava em cruzeiro, os auxiliares preferiam deixa-lo sozinho em seu reino. E com a mesma face sem expressão, Elly foi até o painel principal.
Uma a uma, as seis enormes válvulas principais dos motores da Yggdrasil elevaram-se, cintilando com eletricidade e emanando calor excedente, e Elly estava parada diante do painel quando Fei e Bart ali entraram.
_ Elly? O que está fazendo?
Lentamente, Elly voltou-se na direção daquela voz. Parecia a ela ter acabado de despertar, e estava um tanto atordoada. Onde estava? Lembrava-se da nau capitânea de Ramsus, e...
_ ... Fei?
Uma dor aguda pareceu queimar em sua mente e ela tombou para frente, enquanto todo o conjunto dos motores começava a soltar faíscas e aquecer-se perigosamente, todo o complexo da sala das máquinas estremecendo violentamente. E Fei correu até a moça caída, enquanto Bart o seguia a passos lentos, olhando ao redor.
_ Elly!
_ Eu sabia o tempo todo... – a voz do pirata era baixa, quase de si para si mesmo – A garota armou pra nós!

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