(...)
_ Bem, de qualquer forma – Citan mudou
de assunto apressadamente – devemos ficar bem se continuarmos assim por todo o
caminho. Até aqui tudo bem, de acordo com a missão.
Foi quando ouviram um estranho som
de metal e vapor vindo da locomotiva, e Fei indagou:
_ Que barulho é esse?
_ Fei, o engate...!
Alarmados, viram que os solavancos
estavam quase soltando o vagão onde estavam, e Citan apressou Fei para que
pulassem. O vagão já estava solto e desacelerando quando saltaram. Felizmente,
ainda em tempo de chegar ao seguinte.
_ Este trem está quase se
desmanchando – queixou-se Citan – Mais uma vez, foi por pouco.
_ E se ele descarrilar antes de
chegarmos à doca dos Gears... – Fei
indagou, e para confirmar seus temores, o som tornou a se fazer ouvir.
_ Este carro também está instável!
– Citan alertou – Temos que saltar para frente, e o quanto antes!
Novamente saltaram, e desta vez alcançaram
a locomotiva pouco depois do vagão se soltar do corpo principal.
_ Um desastre atrás do outro... –
suspirou Citan.
_ Trenzinho muito pouco confiável
– concordou Fei.
_ A entrada do duto de ar que
queremos virá em breve – lembrou Citan – Prepare-se para saltar de novo.
Graças às plantas que Hammer
conseguira, sabiam qual era o local mais próximo no túnel às docas de Gears, e
assim que a calha do duto se tornou visível, eles saltaram da locomotiva e
agarraram-se às grades de proteção, sendo jogados pelo próprio impulso dentro
da canaleta de ar.
Viram-se num aposento amplo e com
várias entradas e saídas de canaletas idênticas à que os conduzira até ali,
além de duas portas fortemente trancadas. Uma delas tinha um leitor de cartões,
e ficou óbvio que não poderiam avançar à força. Procuraram pela segunda porta
mas, antes que Fei a abrisse, Citan chamou sua atenção.
_ Alguém está se aproximando.
Vamos nos esconder!
Havia vários caixotes ali, no que
deveria ser um depósito. Mal Fei e Citan se ocultaram, dois soldados entraram e
um deles queixou-se:
_ Todo dia é só trabalho,
trabalho, trabalho! Será que nunca acontece nada divertido por aqui?
_ Sem dúvida... – comentou o outro
– Aquele ex-campeão parece ter sido colocado pra lutar com o monstro.
_ Ei, isso vai ser ótimo! –
animou-se o primeiro – Vamos terminar esse trabalho e ir assistir.
_ É, bem que precisamos. Temos
trabalhado demais ultimamente.
Fei e Citan esperaram até que os
guardas se fossem e depois, por prudência de Citan, resolveram que seria melhor
evitar os guardas seguindo pelos dutos de ar na direção que os dois haviam
tomado, rumo à arena. Seria a forma mais rápida de chegar e, fosse qual fosse o
monstro que fora mencionado pelos guardas, deviam se apressar se queriam ter
qualquer esperança de resgatar Rico.
Em outro lugar, Ricardo Banderas
seguia por um corredor longo que o conduzira ao seu bem conhecido cenário da
Arena de Batalha. Estivera ali por vezes demais nos últimos anos para não
reconhecer o lugar; só parecia fora de perspectiva, visto que sempre que fora
até ali, estava a bordo de seu Stier. Como a Arena parecia enorme agora, sendo
percorrida a pé!
_ Quem iria pensar que eu estaria em
batalha usando apenas o meu corpo...
Tinha muito pouco do que se
arrepender, fosse qual fosse o resultado de sua próxima luta. Talvez nem tudo
fosse como ele tinha planejado ou desejado para si mesmo, mas fizera tudo ao
seu modo. Perseverara por um bom tempo assim, mesmo sabendo que algum dia, por
certo, alguém haveria de...
Parou de repente, olhando em volta
intrigado. Parecera sentir tremores no solo abaixo de si.
_ ... Deve ser minha imaginação.
O terreno inteiro da Arena
Imperial era artificialmente construído, gerado para criar qualquer situação e
resistir a qualquer estímulo externo. Um terremoto ali era algo impossível.
Voltou então a caminhar, olhando sempre em frente e procurando talvez chegar ao
outro extremo da Arena. Se pudesse contornar o lago artificial, logo depois da
cordilheira...
Parou novamente. Os tremores
voltaram, mais nítidos.
_ Isso não é minha imaginação...
Que... vibração é essa?
Ele começou a escalar uma das
dunas, quando os tremores ficaram mais freqüentes e intensos, e ele procurou se
equilibrar, raciocinando:
_ Um Gear não vibra desse jeito...
Isso não pode... ser...!
As vibrações ficaram mais
freqüentes e cada vez mais próximas, e os ouvidos experientes de Rico Banderas
perceberam que eles tinham a mesma cadência de passos, poucos segundos antes de
uma enorme fera sauróide se aproximar diante de si.
_ Isso é... um Rankar?!
O lagarto bípede saltou e
deteve-se diante de Rico, rosnando para ele, que pensou consigo mesmo enquanto
se punha em guarda por reflexo e recuava sem tirar os olhos do monstro:
_ Saco, você deve estar brincando!
Eu tenho que lutar com isso sem um Gear?
O som da respiração do Dragão
Rankar era acompanhado pelo seu hálito fétido, e Rico se perguntava se morreria
devorado ou intoxicado por aquele cheiro quando diferenciou um novo som chiado,
baixo a princípio, mas se aproximando depressa.
_ Hã...? Esse som... Um Gear em
vôo?
Uma forma metálica gigante se
aproximou voando e desceu sobre o Rankar com um chute, afastando a fera de
Ricardo enquanto ele reconhecia a máquina.
_ Um Gear negro... Ele?!
Era Weltall, obviamente, o mesmo
Gear que derrotara seu Stier durante o Torneio. Obviamente também pilotado pela
mesma pessoa que o vencera. Fei Fong Wong. E o Rankar, vendo-se confrontado por
um adversário maior, rugiu para o Gear negro e Fei lembrou-se de Elly e do
primeiro monstro que enfrentara, por causa dela. Mas estava em guarda, seu Gear
estava em melhores condições do que na outra vez, e ele tinha pressa. Aquilo
tinha que acabar logo.
O dragão atacou com uma investida,
e Weltall girou, prendeu o pescoço do monstro e lançou-o para trás, longe de
onde Rico estava, enquanto Fei admirou-se com a mudança que peças diferentes e
reparos adequados haviam tido em seu Gear; ele fora superior ao último Rankar
que enfrentara, também, mas não havia comparação entre a força e a velocidade
dele naquela ocasião e agora.
Abalado pela queda, o Rankar
lançou sua baforada aderente sobre o Gear negro, mas Fei conhecia aquele ataque
e esquivou-se pela direita, escapando dos efeitos do ataque e atingindo a fera
com seu golpe Reppu, o que terminou a batalha antes mesmo que ela começasse de
uma forma que era inesperada para todos, ou quase todos, os que assistiam à
disputa.
Vencida a luta, Fei abriu a cabine
de seu Gear e foi conversar com o Campeão dos Lutadores, mas Rico estava de
costas.
_ ... Por quê? Por que está aqui?
_ Pra pegar isso de volta – Fei
apontou para Weltall – Não é que eu tenha vindo te salvar... O elevador que eu
usei para fugir por acaso me colocou na arena. Eu te vi sendo atacado. Foi por
isso que intervim. Nada mais que isso.
_ Pra uma coincidência, é uma
história conveniente.
_ Cabe a você pensar o que quiser
– Fei deu de ombros – E então, o que vai fazer agora?
_ ... Fazer o quê? – perguntou
Rico, ainda sem se voltar, e Fei colocou as mãos na cintura e baixou a cabeça,
como se pensasse profundamente.
_ Eu invadi a arena... Nós também
somos fugitivos... É por isso que temos que escapar. Se você ficar,
provavelmente vão te colocar pra lutar com aquele monstro de novo. E dessa vez,
você vai morrer... É isso o que quer?
_ ...
Rico nada respondia, embora a
cabeça estivesse baixa, como se não importasse, e Fei pareceu enfatizar, os
braços abertos num gesto de impaciência.
_ Até você deve ter coisas
restando pra fazer aqui! Mas, no seu atual estado de espírito...
_ Silêncio! Cala a boca! – Rico
finalmente se voltou, furioso e brandindo o punho na direção de Fei – Duas
vezes... Já é a segunda vez que você...
Os dois se encararam por um
instante, Fei sem querer acreditar que o outro quisesse desistir, e Rico
furioso. Então, o Campeão tornou a dar as costas a Fei e retrucou:
_ ... Se quiser escapar do
Império, faça isso agora. Eu não tenho intenções de partir. Mesmo que tenha que
ser o fim pra mim!!
Fei também estava desanimado. Não
tinha muito tempo e precisava fugir, mas a idéia de ver alguém valoroso como
Rico ser executado por arbitrariedade, e pela própria cabeça dura do próprio, o
fazia sentir-se doente. Tinha que fazer o que pudesse, mas a decisão só poderia
vir do próprio Rico, e não havia o que ele quisesse discutir a respeito.
Então, um novo tremor cobriu a
arena, e parecia vir de toda a parte. Desta vez, não eram passos de um Rankar.
Era maior, e parecia mais distante. Fei olhou em volta, confuso.
_ ... Hmn? O que é isso...?
Ele e Rico olharam em volta. Vinha
de muito além das areias do deserto da arena. Parecia cobrir toda a noite de
repente, crescendo cada vez mais e sem diminuir de intensidade. Era um som que talvez
lembrasse a ira divina, se alguém ali ainda pudesse acreditar em tal coisa.
_ Um... tremor? – Fei indagou,
inquieto – Que vibração é essa?
_ Essa vibração... – Rico ergueu
os olhos, seus ouvidos mais agudos que os de Fei e seu conhecimento de máquinas
maior, também – Isso é... não? Não está vindo do solo. Essa vibração é... na
atmosfera?
Fei ergueu os olhos também,
acompanhando a direção que Rico indicava. E não gostou do que viu.
_ ... Whoa. Isso não parece nada
bom.
Nos céus, muito além da altura de
Weltall, a frota que partira da base da Gebler em Aveh finalmente chegara aos
céus de Nortune. Sob fogo de baterias antiaéreas e luzes de holofotes que
cortavam a escuridão da noite, a nau capitânia Hecht e mais sete outras,
automáticas, cruzavam os ares com seu destino e missão definidos, e sendo
executados por quem pouco se importava com a sorte dos habitantes da cidade. E
o desfecho parecia negro como a própria noite.
Uma das naves guiadas por Ether
foi atingida em cheio pelas baterias antiaéreas e mergulhou em chamas, caindo
sobre um dos distritos da Cidade Imperial. Talvez fosse uma felicidade maior
para a maioria das pessoas da cidade que a nave não tivesse chegado a seu
verdadeiro objetivo, mas os civis sobre quem a nave automática caíra com
certeza pensariam de outra forma, se sobrevivessem para opinar. E nada parecia
capaz de desviar a Hecht de seu curso.
Uma segunda nave, embora não
atingida, lançou-se num vôo suicida rumo a um dos terminais de distribuição de
energia, e não foi possível destruí-la antes que atingisse seu alvo. O impacto
explodiu a nave, destruiu os arredores e o terminal de distribuição,
abandonando imediatamente todo um setor de Nortune à escuridão, salvo o que os
fogos antiaéreos e o reflexo dos holofotes eram capazes de afastar.
_ O que é aquilo? – Fei perguntou,
olhando para o alto para ver uma grande nau capitânea sobrevoando, seu casco
meio iluminado pelas luzes dos prédios e holofotes e atravessando impávida a
barragem de artilharia.
_ Fei, isso é um ataque aéreo de
Aveh – Citan veio correndo a ele pela arena – ou, devo dizer, Gebler! Eles
realmente pretendem atacar a Capital Imperial...
_ O que? – Fei não podia acreditar
– E quanto aos civis?
_ Planejam atacar diretamente a
Capital Imperial, Nortune – Citan ainda pensava consigo mesmo, calculando como sempre
fazia – Ah, meu Deus...!
Fei percebeu que seu amigo
catedrático ainda estava calculando, mas fosse qual fosse o resultado de suas
conjeturas, ele sem dúvida estava alarmado.
_ Aquela nave está indo... para a
Usina de Força! Oh não! É um reator nuclear! É muito provável que aquela nave seja
a fragata principal do ataque deles! Se lançarem algo sobre o reator... A
capital inteira vai...!
_ ... Ser completamente destruída!
– Fei subitamente entendeu o risco que corriam e procurou raciocinar depressa –
Se pudermos mudar o curso deles, isso vai ajudar?
_ Sim – Citan confirmou – No
entanto...
_ Doc, eu vou tentar. Nós não
podemos simplesmente... nos virar e fugir!
Citan certamente teria preferido
fugir aproveitando a confusão na cidade, como Fei certamente faria se pudesse.
Mas os dois sabiam que muita gente inocente morreria sem qualquer razão; por
mínimo que fosse, eles teriam que fazer o que fosse possível. Citan acenou
afirmativamente.
_ ... Está certo. Tome cuidado,
então.
Fei saltou para a cabine de
Weltall, a escotilha fechou-se e Citan afastou-se, enquanto o Gear negro
decolava em direção às trevas da noite. E o doutor voltou-se preocupado para a
cidade.
_ Se aqueles civis não se
apressarem a fugir...
Seu próprio Gear, Heimdall, estava
distante demais para que pudesse auxiliar Fei na batalha de forma direta. Ao
menos, poderia ajudar na evacuação, e foi para a cidade que Citan se dirigiu,
esperando que seu jovem amigo pudesse realizar o impossível naquela noite.
Uma figura esquecida na arena se
aproximou então, olhando para onde fora Citan e depois para o alto, onde
Weltall desaparecera. Rico Banderas ponderava quanto a si mesmo e quanto ao que
ouvira Citan dizer a Fei. Então, os sujeitos da Gebler queriam bombardear o
reator. Se conseguissem, a cidade seria destruída, e muita gente com ela.
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