sábado, setembro 20

Um velho amigo

Olá de novo, pessoas! Numa noite insuspeita de sábado, saudações do Louco!

Vou pedir licença ao amigo Akira, onde estiver, pra usar o blog num projeto pessoal. Once upon a time, eu quis que um amigo curtisse uma história sensacional que tinha encontrado num dos meus jogos de videogame. Esse amigo, muito inspirado, decidiu começar a colocar online a tradução/interpretação que este servo mandava pra ele.

Parece que outros fãs do jogo acabaram por descobrir, e curtiram. Eu fiquei contente por divulgar a história de um jogo que curtia, e depois me dei conta que pessoas que nem entendiam direito o enredo passaram a gostar ainda mais, ao entender o que catzo que tavam falando.

Por algum motivo obscuro, a página onde todos os capítulos estavam sumiu. E recentemente, me caiu a ficha de que todos os capítulos continuam comigo; logo, é só uma questão de postar de novo. Sem o mesmo brilho e inventividade do meu amigo colocando isso online da última vez, nem de maneira tão ordenada; não tenho esse talento. Mas a todos os fãs da série, eu digo; pretendo recolocar Xenogears, traduzido e adaptado, de volta no ar.

E a quem nunca leu, ofereço a chance de conhecer e curtir a história. Se puderem tolerar minha adaptação tosca de fã, e os posts que vão ficar na ordem de postagem (e não organizadinhos num 'índice', como antes), espero que se divirtam tanto quanto eu. Boa leitura ^_^

XENOGEARS

(Compilado e Adaptado por Louco)


            PRÓLOGO: Aconteceu há muito tempo.         

 A ‘Mahanon’, uma grande nave colonizadora, enfrentou um súbito problema em seus sistemas. De repente, depois de uma luz, todos os monitores da cabine de comando registraram perigo. A tripulação alertou que os controles estavam um a um sendo dominados por... algo.
O capitão imediatamente ordenou que o comando manual fosse estabelecido, mas o desligamento do sistema automático falhou. Contatos com a sala de máquinas também falharam. Ao perceber uma espécie de programa-vírus dominando todo o maquinário, o capitão ordenou a evacuação imediata dos passageiros e da tripulação, incluindo o pessoal da cabine de comando. Ficando para trás ele viu, horrorizado, que o invasor desconhecido dominara os sistemas de defesa da nave e estava usando os canhões da “Mahanon” contra as naves de fuga que saíam, impedindo que alguém escapasse vivo. Os enormes cabos de energia da nave romperam o casco e começaram a se agitar no espaço como se fossem os tentáculos de algum monstro, e uma mensagem repetida tomou todos os monitores da cabine em letras vermelhas.
            “Vocês se tornarão deuses.”
O painel que o capitão ativou em seguida era independente do sistema contaminado. Ele digitou sua senha, ligou o sistema de autodestruição e então deu uma olhada no relicário que trazia consigo, uma foto com a esposa e a filha que não tornaria a ver. Segundos depois, uma série de explosões programadas fez a ‘Mahanon’ desaparecer num clarão, próxima à órbita de um planeta.

Próxima aos destroços do corpo principal da nave, “ela” se levantou. Os longos cabelos púrpura ondulavam com o vento e seus olhos refletiam a escuridão da noite e as estrelas cadentes que eram as demais partes da nave caindo. Foi neste dia que “Deus” e a “humanidade” chegaram a Ignas...


Capítulo 1: A Vila de Lahan


             O Continente de Ignas, no hemisfério norte do nosso mundo. Neste, o maior continente, uma guerra tem seguido entre dois países por centenas de anos. Ao norte do continente jaz o Império de Kislev; ao sul, está o Reino do Deserto de Aveh.
            A guerra durou por tanto tempo que as pessoas esqueceram da causa, conhecendo apenas o círculo sem fim de hostilidade e tragédias. A obsessão crônica da guerra em breve encontraria uma mudança devastadora. Isso se deveu ao “Ethos”, uma instituição que preserva a cultura do nosso mundo, reparando ferramentas e armas escavadas das ruínas de uma civilização antiga. Ambos os países escavavam estas ruínas e pediam ao “Ethos” que consertasse as descobertas, a fim de aumentar seu poder militar.
            As variadas armas escavadas das ruínas alteraram grandemente o desempenho do esforço de guerra. O resultado das batalhas entre os dois países não era mais determinado pelo combate homem a homem, mas por ‘Gears’ – máquinas de combate humanóides gigantes – que eram obtidos do interior mais profundo das ruínas. Eventualmente, depois de mudanças constantes no estado de guerra, Kislev conseguiu ficar por cima. O principal fator por trás disso estava na enorme diferença entre a quantidade de recursos enterrados no interior de suas ruínas. Mas, de repente, uma força militar misteriosa apareceu no continente de Ignas. Chamados de ‘Gebler’, esta força decidiu fazer contato com Aveh. Com a ajuda desta força militar Gebler, Aveh conseguiu recuperar-se de sua desesperada minoria para voltar até a fazer par com Kislev. Então, tomando vantagem de sua recém-conquistada aliança, Aveh começou a capturar um território após o outro de Kislev, sem mostrar qualquer indicação de diminuir sua campanha de invasão.
            A história começa na vila remota de Lahan, nos limites de Aveh, próxima à fronteira de Kislev...


            A vila está em chamas. Pessoas correm por toda a volta enquanto a escuridão da noite é rompida pelo tom vermelho-brilhante das labaredas em seus lares. Um grupo de Gears militares enfrenta um Gear solitário, pilotado pelo jovem Fei Fong Wong, já cansado pelo esforço.
            _ Huff... Puff... Malditos!
            Apesar de nunca ter pilotado um Gear na vida, Fei conseguiu derrubar alguns dos soldados sem maiores problemas. Mas os Gears inimigos tornaram a se pôr de pé.
            _ O que, raios, é você? – ele pergunta – Não importa como eu o derrube, ainda consegue ficar de pé?
            A poucos metros da batalha o Dr. Citan Uzuki, amigo próximo de Fei e do povo da vila tenta se fazer ouvir:
            _ Fei, pare! Você não deve lutar aqui!
            Uma rajada de metralhadora do Gear inimigo e Fei procurou desviar, sendo atingido por pouco pelo mesmo que acabara de derrubar. Tornando à carga, o Gear de Fei atinge mais uma vez o outro e torna a derrubá-lo.
            _ Maldição... Por quê? Por que tiveram de vir aqui? Pra quê fazer isso?
            A única resposta é o som das chamas que continuam consumindo a vila, alheias à luta.
            Mais duas pinceladas e parecia pronto. Com um olhar crítico, Fei se afastou um pouco da tela e achou que bastava por hora, resolvido a tirar uma folga. Não tinha idéia de onde viera a inspiração que o levara a pintar aquele quadro, mas quando dera por si, já estava bem adiantado no trabalho. Geralmente, só pintava os arredores de Lahan, onde vivia. Era um rapaz alto, de longos cabelos castanhos presos e também era um mistério. Três anos antes, ele aparecera em Lahan todo sujo de sangue e ensopado da tempestade. Muitos dos aldeões não acharam que suportaria, mas o líder da vila o acolhera e a constituição firme do rapaz impedira o pior. No entanto, ele não se lembrava de coisa alguma anterior a isso, sabendo apenas que fora entregue ao chefe da vila por um estranho mascarado. Havia quem supusesse que o homem fosse o pai de Fei, mas nem mesmo o rapaz podia saber com certeza. Comentavam também sobre os pesadelos terríveis que ele tivera pouco depois, onde sempre chamava pelo pai. No entanto, ele mesmo não tinha qualquer lembrança anterior aquilo.
            Tendo terminado sua pintura, Fei resolveu ir ter com os amigos no andar de cima da sua casa, que conversavam animadamente com Lee, o chefe da vila. Entre eles estava Timothy, que foi o primeiro a vê-lo se aproximar.
            _ Oi Fei!  Desculpe usar a sua casa desse jeito, mas precisávamos nos reunir aqui hoje. É preciso conversar com o chefe sobre o grande dia de amanhã.
            _ Ah, claro, o seu casamento com Alice! Isso sim é um grande dia!
            _ Bom... é mesmo... mas ainda é meio difícil pensar nisso como realidade, sabe?
            Fei se afastou um pouco, como se estivesse sem graça, antes de dizer:
            _ Hã, Timothy... Eu só quero agradecer a você e à Alice... Há três anos, eu acordei nessa vila sem o menor vestígio da minha memória... não sabia quem era, onde tinha estado ou o que tinha feito até aquele dia... não podia me lembrar de nada. E, apesar disso, você e Alice simpatizaram comigo e me encorajaram a seguir em frente. Se vocês dois não estivessem lá comigo, não sei o que teria me acontecido... – e, voltando-se para o amigo - Do fundo do coração, Timothy, obrigado mesmo! Você e a Alice merecem viver juntos pra sempre!
            _ Hah, corta essa! – riu o outro – Não precisa ficar todo sentimental comigo... Seja como for, sempre senti como se tivesse sido seu amigo desde que éramos meninos. E vamos continuar sendo amigos pra sempre, certo?
            _ É claro!
            _ Ah, Fei, a propósito... – e pareceu lembrar de algo – Será que você podia ir ver como está a Alice? Ainda tem umas coisas pra eu discutir com meu pai e o Chefe Lee, mas tenho certeza de que ela gostaria de companhia.
            _ Claro, sem problemas! Te vejo mais tarde, então.
            Fei estava prestes a sair quando entrou um garotinho pela mesma porta que ele usaria.
            _ Ah, aí está você, Fei! Eu queria falar com você sobre uma coisinha!
            _ Ei, como é que está, Dan? Tá animado hoje... Aliás, como sempre.
            _ Ô, Dan, não seja tão mal educado! – cortou Timothy – Pra quê entrar gritando desse jeito?      
            _ Saco, o Timothy também tá aqui – resmungou o menino - Não enche, Timothy! Até casar com a minha irmã, você não tem nada a ver comigo. O meu negócio é com o meu amigo aqui, o Fei. Pois é, Fei, eu preciso falar com você depois...
            _ O que foi, Dan? – o ar grave do menino fazia parecer sério – Parece coisa grave.
            _ E é mesmo; por isso eu não posso falar aqui – e olhou feio para Timothy – Tem uma certa pessoa ouvindo que podia causar problemas. Temos que falar sério, um a um, de homem pra homem! Te encontro lá fora. - E voltando-se para Timothy:
            _ Se cuida até amanhã, Timothy – e mostrou a língua para o outro, saindo logo depois. Fei ficou olhando confuso para a porta e para o amigo.
            _ O que é que há com ele, afinal?
            _ E pensar que a partir de manhã eu vou ser cunhado desse moleque... – Timothy deu de ombros e riu - Hah! Essa parte não vai ser lua-de-mel!
            Ainda rindo, Fei saiu logo atrás de Dan. Era bom que Timothy tivesse aquele gênio animado; com o mau humor de Dan por causa do casamento iminente da irmã, ele obviamente iria precisar de ânimo!
            Dan estava no meio do caminho para a casa de Alice e, vendo Fei se aproximar, chamou o rapaz de canto e perguntou:
            _ Podemos conversar agora, Fei? É importante.
            _ Claro Dan. O que foi?
            _ Como você sabe, amanhã finalmente é o dia do casamento da minha irmã... – falou o menino, solene – e é bem sobre isso que eu quero falar: o casamento da Alice. Pra ser perfeitamente honesto com você, Fei... eu sempre quis que você fosse meu irmão. Ainda não é tarde demais. Você podia seqüestrar a Alice e fugir com ela! E, se precisar da minha ajuda, eu adoraria fazer qualquer coisa!
            Fei ficou sem ação diante da surpresa enquanto, num tom mais calmo e baixo, Dan segredou;
            _ Pode ser meio esquisito eu dizer isso, mas a minha irmã é bonita, cozinha bem... e, só entre nós, ela tá com tudo em cima, também! Heh, heh heh! E aí? O que você acha?
            _ Tá bom, Dan, você venceu. Acho que eu vou simplesmente pôr Alice no colo e correr com ela pra longe daqui!
            _ Mesmo? – o rosto do menino se iluminou – Eu sabia que gostava de você, Fei! Esse é o espírito! Mas... ia ser preciso mudar os sentimentos dos dois, também. E você precisaria gostar dela...
            Como Fei esperava, era mais uma das idéias de Dan. Bastava dar corda suficiente e ele próprio percebia os furos do plano. O menino era genioso, mas tinha bom senso. Apesar de ter sido obrigado a se resignar, ele ainda parecia satisfeito.
            _ Seja como for, você se dispôs a me ajudar. Obrigado, Fei! Você é um cara legal.
            Fei despediu-se de Dan e chegou logo à casa de Alice. Era o bom de viver numa vila pequena; não demorava nada chegar de um lugar a outro. A vizinha na porta foi a primeira a recebe-lo, animada:
            _ Oi, Fei! Veio ver Alice? Bom... é costume não se deixar homem nenhum ver a noiva... mas acho que você pode ser uma exceção. Entre!
            Apesar de ser um “forasteiro”, não nascido em Lahan, Fei havia sido como que adotado pelo Chefe Lee, era um pintor habilidoso e o conhecimento de artes marciais que tinha, mesmo sem lembrar como aprendera, já salvara mais de uma vez as pessoas de Lahan dos monstros que habitavam nas redondezas. A coragem do rapaz e seu bom caráter tinham conseguido a confiança de todo o povo dali naquele curto intervalo de três anos. Cumprimentando a tia de Alice, que criara a moça e o irmão dela depois da morte de seus pais, Fei subiu até o quarto de Alice. Ela estava lá, fazendo retoques no vestido branco que usaria no dia seguinte.
            _ Oi, Alice. Esse é o seu vestido de casamento?
            _ Hã? Fei, você me assustou! – e voltou-se para o vestido – É sim. Eu acabei de terminar. Demorou mais do que eu pensava.
            _ Hmmm... – Fei se aproximou e deu uma boa olhada, com ar de aprovação – Você fez um bom trabalho! Vai ficar muito bem em você, Alice. Parabéns.
            _ Obrigada...
            Ela desviou o rosto e alguma coisa no silêncio parecia desconfortável. Fei sentiu-se inquieto, e por um momento, nenhum dos dois disse coisa alguma.
            _ Hã, Alice...
            _ Sabe, Fei...
            Os dois pararam e se olharam, ainda mais sem jeito após tentarem falar ao mesmo tempo, até Fei fazer sinal para que ela falasse.
            _ Desculpa, Alice. O que foi?
            _ Ah... nada.
            _ Sei...
            Era curioso como estavam sem jeito! Tomando fôlego e respirando fundo, Alice terminou por perguntar:
            _ Ah, sim. Fei... você viu o Dan?
            _ Vi sim. Ele tá lá fora – sorriu – Resmungando como sempre.
            _ Ai, esse menino! E eu pedi a ele para se apressar! Queria que ele me fizesse um favor.
            _ Que tipo de favor?
            _ Pro meu casamento amanhã. Eu queria que ele emprestasse uma câmera e alguns flashes do Dr. Uzuki, no pico da montanha.
            O Dr. Citan Uzuki era conhecido de toda a Vila de Lahan. Vivia com sua esposa e a filha pequena no pico da montanha próxima à vila e também era muito considerado pelas pessoas dali por sua ajuda médica e, também, por seus inventos estranhos. Era um amigo de longa data de Fei, que se ofereceu:
            _ Se é só isso, eu ficaria feliz em ir pedir pra você.
            _ Mesmo? Ah, Fei, mas ia ser abusar...
            _ Que nada, não é incômodo nenhum. Além disso, não me deixa muito à vontade pensar no Dan carregando coisas que quebram tão fácil. E pra completar, eu posso ter a chance de provar mais um pouco da comida da Yui se for até a casa do Doc.
            _ Esse é o meu Fei. Hahahaha!
            O riso de Alice espantou um pouco aquele clima de desconforto de antes, e Fei já estava quase na escada quando ela tornou a chamar.
            _ Fei... espere um pouco.
            _ Hã? – ele voltou-se – Tem mais alguma coisa que quer que eu traga?
            _ Não... não é bem isso...
            Fei ficou sem entender e ela, ainda sem olhar para ele, perguntou:
            _ Fei... Alguma vez você pensou nas coisas assim? – foi até a janela e continuou, sempre evitando olhar para Fei – Se... Se, ao menos, você tivesse nascido nesta vila... e se tivéssemos nos conhecido antes...
            Agora foi a vez dele de ficar sem jeito. Houve silêncio, porque nenhum dos dois sabia o que dizer, até que Alice disse:
            _ ... N-não é nada. Me desculpe...
            _ Bom... Acho que é melhor eu... ir andando, então.
            _ Ah... tudo bem. Cuide-se e dê minhas lembranças ao doutor.
            Fei ainda olhou para ela um instante antes de sair. Alice ouviu a porta lá embaixo se fechando e perguntou a si mesma:
            _ Isso é o destino? – e baixou os olhos, vendo Fei tomar o rumo da montanha - Eu me sinto tão idiota. A quem estou enganando?
            Aquela conversa com Alice acompanhou Fei durante todo o seu caminho rumo à casa do Dr. Citan Uzuki. Quando algo como o plano de Dan vinha exclusivamente da cabeça dele, era fácil pensar numa bobagem de criança; vindo de Alice, no entanto, fez Fei se surpreender perguntando o que realmente teria acontecido se as coisas fossem como ela imaginara. Meio aborrecido consigo mesmo e sem jeito com o que estava quase pensando, ele chegou ao topo da montanha sem maiores problemas.
            A casa do doutor tinha três andares, sendo o primeiro a sala de visitas e a cozinha, o segundo os quartos e o terceiro um observatório de onde se viam todos os arredores , incluindo a fronteira de Kislev. Ainda havia um último cômodo nos fundos do terreno onde o doutor fazia suas experiências com eletrônica. Fei imaginou se ele não estaria lá quando chegasse. E, de fato, quem o recebeu foi a esposa de Citan.
            _ Olá, Fei! Há quanto tempo.
            _ Oi, Yui. Onde está o Doc?
            _ Meu marido está mexendo na sua sucata lá nos fundos, como sempre.
            _ Eu já imaginava. Será que ele nunca se cansa de brincar com essas coisas? Bom, melhor eu ir falar com ele. Com licença, Yui.
            Midori, a filha do casal, estava tão quieta quanto de costume. Fei costumava brincar com ela durante suas visitas, mas a menina não estava disposta a sair do lado da mãe naquela tarde em particular. Indo para os fundos da casa, no entanto, Fei não via o doutor em parte alguma e nem ouvia o costumeiro som de ferramentas. Olhando em volta, ele perguntou em voz baixa:
            _ Afinal, onde é que você está, Doc?
            Um som de explosão pareceu fazer o quarto dos fundos tremer e Fei olhou para o alto, procurando a razão do barulho. Foi quando ouviu uma voz conhecida de lá;
            _ Ahhh, isso não é nada bom! Por que eles usam essas peças tão inferiores? É por isso que a intervenção deles às extrações...
            E lá estava ele, óculos de quatro lentes no rosto e o costumeiro sobretudo verde, olhando para uma máquina que mais parecia um caranguejo com uma hélice e com ar de reprovação a um painel fumegante.
            _ Doc! Então era aí que você estava!
            O doutor voltou-se. Tinha cabelos negros e olhos da mesma cor e um aspecto de intelectual que combinava com a sua figura. Esse mesmo aspecto traía sua natureza de estudioso, mas escondia sua outra natureza: o Dr. Uzuki conhecia técnicas de ether como o próprio Fei e seu conhecimento de artes marciais no mínimo rivalizava com o do rapaz. Ninguém sabia ao certo do passado do doutor e sua família e, como sempre eram tão bons com todos, ninguém incomodava procurando saber. Ele deixou o ar de decepção de lado e abriu prontamente um sorriso ao reconhecer o rapaz.
            _ Ah, olá, Fei! É bom ver você!
            _ Você tá bem, Doc? O que está tentando fazer aí em cima?
            _ Ah, achei que poderia tentar consertar este Caranguejo de Areia. E, quanto àquela explosão, não precisa se preocupar. Acontece o tempo todo.
            Ambos riram. Sim, Fei podia se lembrar de visitas anteriores e de algumas vezes em que ajudara o doutor. Explosões eram comuns na casa do Dr. Uzuki quando ele começava com suas experiências.
            _ Pode esperar um pouco, Fei? Estou prestes a terminar por hoje. Ah, e a propósito, tem uma coisa interessante no depósito. Por que não dá uma olhada enquanto eu termino aqui? Não vou demorar. 
            _ Claro, Doc. Mas, por favor, se apresse. Vai escurecer antes que perceba.
            Fei não achava nada ruim a idéia de ficar para o jantar. Como dissera à Alice, a comida de Yui era mesmo excelente. Mas o doutor já se machucara cismando em prolongar afazeres até depois do pôr-do-sol e foi pensando nisso que o rapaz entrou no depósito. Lá, bem no meio de várias das coisas do doutor, havia uma caixa dourada grande sobre uma mesa.
            _ Então, era disso que o Doc estava falando –e começou a tatear a caixa, intrigado – Vamos ver... O que há de tão interessante em...?
            Foi quando ele tocou num botão lateral e engrenagens começaram a se mover. Fei deu um pulo de surpresa para trás enquanto a caixa abriu-se para todos os lados, revelando uma estatueta branca de anjo belíssima, com luzes coloridas piscando por toda volta, e a estatueta começou a girar lentamente enquanto uma canção suave se fez ouvir, como numa caixa de música.
            _ O q-que... é isso?
            Talvez fosse a estatueta, ou talvez as luzes, mas Fei de repente sentiu um estranho calor dentro de si. Havia... lembranças... Algo dentro de si que moveu-se inquieto, e então ele percebeu que era a música.
            _ Essa música...? Eu... tenho a impressão de ter ouvido antes, em algum lugar...?
            _ O que você acha? Nada mau hein?
            Fei voltou-se e o doutor entrou, tornando a saudá-lo.
            _ Olá outra vez, Fei. Desculpe te-lo feito esperar – foi diretamente para a caixa e também admirou a estatueta por algum tempo, perdido em pensamentos – A música é uma coisa misteriosa... às vezes, faz as pessoas se lembrarem de coisas que não esperavam. Pensamentos, sentimentos, memórias... Coisas quase esquecidas... Pouco importando se o ouvinte deseja se lembrar delas ou não...
            _ Doc, o que é isso...?
            _ Foi retirada de algumas ruínas antigas, e ainda está em reparos. Obviamente é um equipamento de áudio de algum tipo – e tornou a olhar pensativamente para a estátua giratória – Há muito tempo, pessoas ouviam esta melodia, como estamos fazendo agora... Às vezes, eles podem ter ficado alegres... Enquanto às vezes podem ter sido levados às lágrimas.
            Fei ficou em silêncio, pensando consigo mesmo o quanto o que o doutor dissera parecia combinar com ele. Ouvindo aquilo ele sentia algo caloroso em seu coração, mas também uma profunda e inexplicável tristeza, como a lembrança de algo precioso perdido várias vezes.
            _ Aliás, o que traz você aqui hoje?
            _ Hã? Ah, é mesmo! - Fei subitamente voltou a si, lembrando-se onde estava e o que fora fazer ali - Alice pediu para emprestar a sua câmera, Doc.
            _ Ah, claro. O casamento dela é manhã, certo...? Então, é melhor irmos pegar o que ela pediu. E, a propósito, Fei, o jantar deve ficar pronto em breve. Gostaria de se juntar a os?
            _ Claro que gostaria! Eu estava esperando que o senhor convidasse.
            _ Bem, eu ainda tenho que fazer uma limpeza por aqui. Importa-se de fazer companhia à Midori lá em casa?
            _ Claro. Fique à vontade, Doc. Eu vou na frente e como quando o jantar estiver pronto.
            _ Ótimo – riu o doutor – Vá na frente, então. Mas eu não vou ser responsável se você ficar com dor de estômago por comer a comida de minha esposa, Yui.
            Fei foi até a porta, ainda sorrindo, mas voltou-se para comentar com Citan, sério de novo.
            _ Doc... Eu me sinto estranho quando ouço essa música... Sinto... algo quente por dentro.
            _ Talvez seja porque você tem alguém vivendo dentro de você - Citan comentou, a mão sob o queixo e parecendo pensativo - E ele também deve ter gostado desta música há muito tempo atrás, antes de se tornar parte de você...
            Fei fez cara de quem não estava entendendo e saiu, enquanto Citan comentava consigo mesmo:
            _ Meu Deus, o casamento de Timothy e Alice é mesmo amanhã – seus pensamentos divagaram – Pode mesmo ser melhor viver uma vida comum, nesta condição... como um filho de homem...
            Citan balançou sua cabeça, como se para escapar de um pensamento mais profundo antes de lembrar do que estivera consertando.
            _ Bom, que seja. Acho que seria melhor eu consertar o rotor, pelo menos...
            Foi quando ele percebeu que as luzes coloridas estavam diminuindo depressa, bem como a música. Voltando-se para a caixa, Citan percebeu que a estátua parara de girar e parecia se mover de forma diferente. No começo só um balanço, que se tornou uma tremedeira frenética e cada vez mais forte, até que subitamente se quebrou em pedaços sem que nada a atingisse. E o doutor Citan Uzuki sentiu um calafrio.
            _ Não pode ser... S-será que... isso é um presságio?
            Aproximou-se e examinou a estatueta. O anjo parecia ter se quebrado de dentro para fora, apesar de ser uma estátua maciça. Citan tornou a pôr a mão no queixo, como costumava fazer quando meditando ou preocupado.
            _ ... E agora, o que vai acontecer...?


“RUN THROUGH THE COLD OF THE NIGHT...

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