quarta-feira, maio 15

EM MEIO ÀS RUÍNAS

Fala gente que lê! Seja você leitor ou leitora, de hoje, amanhã ou sempre, saudações do Louco!

Tendo passado por uma daquelas 'revelações' no tempo de ausência (e também, envergonhado com a minha incapacidade de manter o ritmo de 'a cada duas semanas'), vou abrindo mão da idéia de dar toques aos escritores novos, velhos ou whatever. Ao invés, e pedindo permissão ao velho Akira, esteja onde estiver, vou começar a colocar uns contos 'curtos' ou coisa que o valha por aqui. 'Isso', pelo menos, eu garanto que consigo fazer a cada duas semanas, mais ou menos. Ao menos, não vou demorar tanto sem dar as caras.

E pra começar, uma idéia 'velha'. Quando contei meu primeiro livro completo e publicado, Oito Caminhos para Eldora, eu fiz questão de colocar um explorador de ruínas antigas com uma capacidade única. Quem teve curiosidade de ler e chegar até o final vê Lenn Trindade, de certa forma minha persona na história, 'voltando' a uma ruína histórica que, pra qualquer leitor do livro, não tinha sido visitada antes.

Isso, porque eu não coloquei a visita na história original. Ela foi uma história curta mandada pra 'Fábrica de Autores', já faz alguns anos. E vai ser a história que posto aqui agora.

Aproveitando, já lamento pelo que vai acontecer daqui a duas semanas. O blogger não organiza os posts de outra forma que não seja 'post mais recente no topo', ou seja, a sequência da história vai vir primeiro daqui a duas semanas, e quem quer que tenha vontade de ler do começo vai ter que rolar a tela pra baixo. Desculpem, isso é uma coisa de configuração deles, que não se pode alterar. Ou, se puder, eu não tenho a menor idéia como fazer (sou um homem de, modestamente, várias habilidades. Mas lidar/alterar/configurar esse tipo de coisa, infelizmente, acho que não tenho)

Forte amplexo do Louco, sendo um escritor de novo (essa versão, by the way, terá a luta entre Lenn e o governante das ruínas, coisa que a versão original não teve por economia de espaço ^_^)

Empoeirada, a Cidade Antiga de Vellthia emanava tamanha tristeza e desolação que ele quase partiu antes de sequer entrar. Ao mesmo tempo, o apelo do passado perdido ali era poderoso o bastante para fazer com que prosseguisse.
            E assim fez. Pouco importava a restrição real sobre a área, considerada amaldiçoada e perigosa demais; fora ali que, segundo as lendas, os Oito Heróis tinham iniciado a Guerra da Revolução. Tanto pelo seu valor histórico quanto pela provável existência de armas, armaduras e outros artefatos da era antiga, ele seguiu adiante.
            Extremamente antigo, o sítio arqueológico exalava uma aura de tristeza e perda, mas também esperança em dias melhores. Ele ajoelhou-se ao encontrar o que parecia um pequeno caminhão de madeira caído junto à entrada de uma habitação que já não possuía telhado, espremida numa rua calçada com paralelepípedos. Vasos com flores que há milênios haviam murchado, no interior de casas que tinham recuperado uma imitação de cortinas graças ao trabalho interminável de aranhas. Um bastão de ferro polido com restos de madeira que custaram a ele quase um minuto para reconhecer como uma vassoura, atrás do que fora uma porta. Tantas evidências de uma tentativa de vida pacífica em meio à opressão, tantos sinais de batalha e luta corajosa ali dentro que ele quase podia ver como fora o cotidiano de Vellthia em seus dias de grande cidade.

            Espers já o haviam classificado como possuindo uma tendência à `psicometria', o dom de presenciar eventos decorridos com objetos e lugares ao tocar neles. Mas seu `ajuste' era voltado para séculos e séculos de antigüidade, o que o tornaria um excelente arqueólogo ou historiador, caso tivesse abraçado tais carreiras a sério. Por algum tempo, ele bem que tentara... mas ver achados tão importantes, items que pessoas muito melhores tinham possuído, indo parar nas mãos de nobres decadentes e realezas arruinadas era uma coisa que causava-lhe o mais profundo desgosto, a ponto de quase ter sido preso em mais de uma ocasião por tentar ocultar achados.
            Enfim, decidira optar por ser o descobridor e dono... não, guardião, de tudo o que descobrisse dali por diante. Um colecionador, com habilidade e compreensão para cuidar de seus achados. Alguns o chamariam de `ladrão', mas pouco importava. Nenhuma daquelas pessoas podia entender realmente o que tinha em mãos ao segurar uma antiga taça, ou vislumbrar uma tapeçaria com brasão, ou mesmo empunhar uma espada antiga. Ele, por outro lado, era capaz de quase sentir o sabor do vinho, podia vislumbrar a confecção do tapete e a real motivação do artífice a entalhar o brasão, sentir com vividez a insegurança do guerreiro ao empunhar a espada, correndo rumo ao inimigo sem saber que não voltaria vitorioso...
            Essa percepção tornou a assaltá-lo quando seus olhos depararam com o monumento semi-destruído ao qual chegara. De acordo com os registros, Vellthia fora eventualmente abandonada devido a lutas políticas internas que tinham culminado em assassinatos entre os líderes, mas sobrevivera à batalha final da Guerra de Revolução. Os Oito Heróis tinham sido reverenciados ali também; ele podia reconhecer alguns deles no monumento, apesar da erosão. O mago Luciano DeJenshath, o Primeiro, bem visível à direita de todos. Terene Le Meck, o cientista genial e eterno adolescente, agachado e fazendo pose diante dos amigos como se fosse tirar uma fotografia. A estátua do extremo esquerdo, ele imaginava, era da assassina das sombras Aisha, uma guerreira mortífera que desertara do serviço dos Iluminados e voltara contra seus mestres as Artes Destrutivas de combate e magia que aprendera deles. A estátua estava semi-destruída, mas pela cintura e a mão direita, ainda visíveis, ele acreditava...
            Em meio à sua contemplação, Lenn percebeu que não estava mais sozinho. Da bainha à sua cintura ele sacou a Espada Serpente e se pôs em guarda, deparando-se com uma aparição inusitada. A moça diante dele tinha cabelos ruivos e longos esvoaçantes, parecendo envolta em farrapos que também flutuavam. Estava descalça e olhava para ele com tristeza e cansaço, como alguém que tivera um dia longo e horrível e deparava com um último aborrecimento.
            _ 'Então...? Estou novamente sendo torturada? Não mais, Tasslus, eu imploro...! Estou tão cansada...'
            Ela falava num idioma antigo, a ponto de Lenn baixar a guarda, tentando traduzir em sua mente o que ouvira antes de poder responder:
            _ 'Eu... não conheço Tasslus. Sou viajante. Não desejo-lhe mal'
            _ 'Estarei delirando...? – a jovem perguntou, e Lenn sentiu um aperto no coração ao contemplar aqueles olhos – Um viajante? Ninguém vem a Vellthia há quase um milênio. Sei bem disso; apenas uma menina tola num desafio tolo de coragem foi imprudente o bastante para tal, há tanto tempo... E nunca mais abandonou este lugar. Tola, imprudente Melisande...'
            Embainhar sua espada seria, em qualquer outra situação, a prova de que Lenn fora enfeitiçado pela aparição e estava prestes a perder a própria vida. Mas seu confiável instinto pressentia sinceridade, além da encantadora tristeza de Melisande. Sua mente racional também já computara que, para estar presente por quase um milênio naquela cidade fantasma, a moça não devia ser humana... mas ele não era tão exigente.
            _ 'Este... `Tasslus'... Onde encontro? Que criatura é?'
            Espanto e medo turvaram as feições de Melisande, que acenou com a cabeça e murmurou:
            _ 'Esqueça... Não deve procurá-lo. Um dia ele me encontrou, eu não o procurava... e aqui estou até hoje. Desapareça enquanto há luz, viajante. Ele não pode tocá-lo na luz. E-ele...'
            Então ela olhou para o lado, como se pudesse ver algo que Lenn não podia. Sem mais uma palavra, ela fazia que não com a cabeça e se afastava, até desaparecer em pleno ar com um gemido de medo.
            Era o momento de decidir. Ela mesma dissera que se fosse. Correr tamanho risco contra uma criatura da escuridão que ele nem conhecia podia torná-lo parte daquelas ruínas para sempre, para deteriorar ali com elas. Só precisava partir.
            Entretanto, Lenn confiava em si mesmo. E sabia que teria pesadelos pelo resto da vida com aquela triste aparição sozinha para sempre naquelas ruínas se desse as costas e partisse dali. Suspirando, checou seu armorial e resolveu procurar pelas catacumbas.

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